quinta-feira, 3 de julho de 2025

UMA HISTÓRIA DE ÁFRICA, UM MENINO CHAMADO DAKOTA


O Dakota é o mais célebre avião de passageiros de sempre.
Ainda há alguns a voar na América do Sul. Tive o prazer de, em Angola, voar neles cerca de 12 anos e 10.500 horas !
Um dia, em plena guerra, (na qual estive envolvido até ao pescoço), na carreira do Norte, o Administrador veio ao campo de aviação e pediu-me:
-"Comandante temos uma mulher em perigo de vida, há três dias em trabalho de parto, tem de ser levada para o hospital de Carmona (Uige sede de província) quanto mais cedo melhor! "
Tínhamos de ir a Maquela (30 minutos) e voltar.
Acelaramos tudo e na volta deitamos a moça (18 anos) na bagageira da frente num colchão de espuma, da ambulância... e toca a andar, depressinha.
Coloquei o Criado de Bordo (mais tarde Comissário de Bordo) o meu compadre Ramos Queva (negro) a cuidar da moça.
A meio da viagem (1/2 hora) ouço o Queva aflito:
-senhor Comandante está a nascer! Ó Ramos, ajuda, sabes como é...tens nove filhos, que viste nascer em casa!
Elucide-se que eu era o padrinho do número nove!
Daí a uns minutos:
-Eh, já cá está, é um menino!
Abriu a porta e anunciou aos passageiros:
-É um menino!
Recebeu uma salva de palmas.
Resperei fundo, reduzi a velocidade e dez minutos depois começamos a descer para Carmona e lá foram eles para o hospital...como convinha.
Carmona

Fiquei intrigado com a pressa do nascimento, mas percebi porquê.
A viagem era feita a mil pés (300 metros) de altitude por baixo das nuvens (não havia ajudas rádio) e áquela hora, o aquecimento provocava bastante turbulência.
Foram os abanões que provocaram o parto.
Passados uns tempos o Ten.Cor. Jacinto Medina, meu director, chamou-me á DTA e disse-me:
-Carvalheira, o Governador Geral soube do parto no avião e quer que eu seja o padrinho e você como testemunha!
Assim no sábado, vai á Damba como verificador de pilotos (eu era piloto chefe do Dakota) e baptiza o rapaz em meu nome porque eu vou para Lisboa hoje á noite. Já está tudo tratado e tem aqui a procuração (nesse tempo a certidão de Baptismo era a certidão de Nascimento).
Lá fomos á igreja e baptizámos o miúdo.
Ao assinar a certidão (pelo Medina) li e comecei a rir-me como um perdido.
O miúdo chamava-se, Jacinto António Dakota DTA Capulenda. Nem mais nem menos !
Regressei alegre e divertido a Luanda.
Uns dois ou três anos depois vem o administrador, acompanhdo de uma moça e pela mão um rapazinho bem parecido!
-Beija a mão ao senhor Comandante teu padrinho.
-Ó Joana, não é senhor Comandante. É senhor meu compadre!
Por engano do administrador eu é que era o padrinho (na certidão e na pia Baptismal). 
Depois vim para a TAP e nunca mais os vi.
Bonita história, verdade ?

Do Comandante António Rebelo Carvalheira,  que foi Piloto da FAP (F84), Comandante na DTA e na TAP
Publicado no Jornal de Famalicão em 1Jul2021

quinta-feira, 19 de junho de 2025

EVACUAÇÃO EM CANGAMBA



Não é por acaso que lhe chamavam o "burro do mato".
Por experiência própria tenho a relatar que, na véspera da Páscoa do ano de 1970, estava em Gago Coutinho em destacamento.
Pela tarde já avançada, recebemos um pedido de evacuação do Batalhão em Cangamba.
O Furriel Piloto Abecassis, e eu, prontamente nos pusemos no ar e lá seguimos.
Cangamba

Ao chegarmos a Cangamba, fomos postos ao corrente da situação. Dois feridos com uma certa gravidade, que ao invés do que nós pensávamos, não iriam para Gago Coutinho, mas sim para o Luso. Rapidamente os feridos foram acomodados em maca e lá iniciámos o vôo com destino ao Luso.
Sabíamos que o tempo era escasso e que o anoitecer é rápido. Quem andava naquelas andanças com a experiência e conhecimento do terreno, muitas vezes facilitava-se. Em parte foi o nosso caso.
Descolamos com rapidez e passado algum tempo verifiquei que não estávamos na rota certa, pois ao invés de cortamos os rios, estávamos a voar paralelamente. Foi retificada a rota e lá prosseguimos. Passados alguns minutos, dá-se aquilo que ninguém quer, os avisadores sonoros começam a dar informação que estamos sem combustível. Sem perder a noção da gravidade e com calma, pois estávamos a meio caminho, tentámos arranjar um ponto de referência e localizarmo-nos. Estavamos na nascente do rio Luanguinga. Lançamos o pedido de socorro com identificação do local e andamos às voltas para arranjar um buraco. Metemos a DO no chão, retiramos os feridos e levamo-los para a mata, tendo um dos feridos exclamado que não era Luso, pois não! Ficamos aqui hoje e seguimos amanhã, como se fosse normal. Escusado será dizer que os nervos estavam á flor da pele, pois estávamos numa área infestada de guerrilheiros.
De madrugada fui rastejando até ao DO, acionei o comando e como o alarme do combustível não tocou, ficámos com a ideia de haver alguns litros. Sabíamos que a poucos minutos havia um aquartelamento do Exército, em Cassamba, com pista. 
Cassamba

Olhamo-nos mutuamente e decidimos avançar. Fomos buscar os feridos, metemo-los dentro do DO, com todas as queixas de dores que tinham. Pusemos o motor em marcha, olhamos para a retaguarda e tínhamos a mata a poucos metros, olhamos em frente e o cenário era idêntico, que fazemos, seja o que Deus quiser. Potência no máximo, eu a segurar o travão e a cauda elevou-se até ficar na horizontal. Larga diz o Abecassis, como saímos não sei, só sei que, passados breves minutos avistamos o aquartelamento tendo o motor parado no início da pista.
Os feridos foram prontamente assistidos. Avião abastecido, feridos novamente colocados no DO e novamente no ar para terminar a operação para a qual fomos chamados.
Moral desta história verídica passada no Leste de Angola no ano de 1970, o DO-27 é uma das minhas grandes recordações que ficará eternamente no meu coração.




Por José Charrinho

quinta-feira, 5 de junho de 2025

BEAUFORT JM513 ATERROU NA PRAIA DA FOZ DO ARELHO


O mau tempo e o esgotamento do combustível terão causado a aterragem de emergência no areal na Foz do Arelho, concelho de Leiria. Nenhum dos tripulantes ficou ferido.  
Os três aviadores estiveram internados em Portugal durante mais de um mês. A 29 de dezembro regressaram juntos ao Reino Unido. 
Em janeiro de 1944 o canadiano Carson Layton Logan, já promovido a oficial, apresentou-se na 5ª Unidade de Treino Operacional da RAF. A 9 de março estava numa missão especial a bordo de uma corveta da marinha - a HMS Asphodel - quando o navio foi torpedeado pelo submarino alemão U-575. 
Da guarnição de 97 homens apenas se salvaram cinco. Layton estava entre os desaparecidos e é recordado no Runnymede Memorial, perto de Windsor, no Reino Unido. 
Apesar da documentação britânica referir que o avião tinha como destino Gibraltar, aquela base deveria ser apenas um ponto de passagem pois na parte traseira da fuselagem estava pintada a palavra “SNAKE”, um código que indicava que o destino era o sudoeste asiático e que o aparelho não podia ser desviado, retido ou requisitado para outras missões, bases ou unidades enquanto estivesse em trânsito. 


O Beuafort ficou na praia, perto da água, durante vários meses porque a aterragem aconteceu numa zona onde era difícil fazer chegar viaturas, máquinas e outros equipamentos. 
Durante esse tempo foi visitado e fotografado por várias pessoas. O resgate do avião, retirado aos bocados durante vários dias de trabalho, foi feito por uma equipa especializada do exército português.


João Viegas, que fez parte dessa unidade contou-me, numa entrevista realizada em 2009, que a remoção do avião foi muito trabalhosa e demorada. 
Como apenas as peças essenciais - motores e alguns equipamentos mais pequenos - foram marcados para serem reaproveitados, a fuselagem e outras partes foram simplesmente cortadas ou desmanchadas. 


Para transportar as diversas partes pelo areal foi construída uma carreta no local utilizando as rodas do próprio avião, como se pode ver numa das fotografias. Para atravessar uma zona com água foram requisitados localmente os serviços de uma barcaça e de barqueiros.

Data: 24-11-1943
Local: Ochã - Foz do Arelho - Leiria
Força: RAF 1OADU
Avião Bristol Beaufort IA JM513
Origem-Destino Portreath (GB) → Gibraltar

Tripulação:
F/Sgt C. L. Logan Canada
F/Sgt R. Walters GB
F/Sgt CR. F. Langdale GB

Em Portugal 1939-1945 A II Guerra Mundial em Portugal

quinta-feira, 22 de maio de 2025

A FAV-FORMAÇÕES AÉREAS VOLUNTÁRIAS EM ANGOLA



AQUELA SITUAÇÃO … MEU DEUS!!!
Convém situar no tempo a formação da FAV, para aquilatar da dimensão da tragédia do conflito e as suas consequências.
Angola, a 4 de fevereiro de 1961 dá-se o ataque à cadeia de Luanda, sendo esta a data que marca o inicio do que seria o conflito armado da chamada Guerra Colonial em Angola.
As Formações Aéreas Voluntárias (FAV) - ocasionalmente referidas como "Forças Aéreas Voluntárias" - constituíram uma organização de milícia aérea criada em 1962 como corpo auxiliar da Força Aérea Portuguesa na Guerra do Ultramar.
As FAV eram constituídas por civis (pilotos e pessoal de terra), normalmente pertencentes a aeroclubes, que operavam aeronaves ligeiras pertencentes aos próprios.
Este relato que aqui deixo é o meu testemunho para que fique registada uma parte da história aérea de Portugal que nunca deverá ser esquecida. 
Aeroporto de Luanda, 1962


A história e factos vividos na primeira pessoa.
Nas primeiras semanas do início do conflito e dada a pouca capacidade da Força Aérea Portuguesa (FAP) pela surpresa dos fatos, foram os pilotos da DTA - Direção de Transportes Aéreos (hoje TAAG) em conjunto com os pilotos do Aeroclube de Angola e os proprietários dos aviões, que com um esforço titânico e eficiente socorreram os sitiados, principalmente nas fazendas dos Dembos (o município dos Dembos foi concelho do distrito de Cuanza Norte até à independência), que, por terem armas e os trabalhadores serem “bailundos” não alinharam com a UPA, e conseguiram resistir sitiados e cercados por todos os lados.
Os “Rapazes” aterravam com os seus “magníficos” Piper Cub’s de 65 CV em terreiros de café, picadas, campos de futebol, e sei lá aonde mais!
Eu sei o que isso é, pois também fui à fazenda Beira Alta onde aterrei no terreiro de secar o café, levando comigo uma metralhadora e um cunhete de balas…e uma garrafa de champanhe enviada pelos donos para ser bebida lá, caso lá chegasse!
Na volta, descolei com a cauda do Cub dentro de um armazém para conseguir assim um pouco mais de pista. Aterrei em Luanda de noite e sem luzes, sem instrumentos, sem nada e cheio de fome!
Era assim que aqueles “Meus Rapazes” faziam todos os dias e sem esperarem uma condecoração. Fizeram isto meses seguidos com uma atitude de coragem, eficiência e valentia e sem esperarem o obrigado da população.
António Carvalheira
Eu era piloto da DTA, saído da Força Aérea em 1957, vindo dos jatos F84 Thunderjet a voarem a 900km/h, para Dakotas e Dragon Rapide a voarem a 280km/h, e isto apenas porque não podia casar com a minha e atual mulher, por ser estrangeira (espanhola).
O diretor da DTA, T.C. Jacinto Medina “mandou” que eu fosse Diretor da Escola de Pilotagem do Aeroclube de Angola, do qual ele era Presidente, tendo eu obedecido…que remédio!
Tenho muito orgulho de ter liderado aquele punhado de Rapazes Novos e fazer deles pilotos competentes, disciplinados e cumpridores. Não foi uma missão fácil ao princípio, mas que resultou muito bem.
Foram eles que fizeram a FAV, colaborando com a Força Aérea, largando os empregos, praias, família, para servirem o Próximo (há quem diga Pátria). Que orgulho eles tinham e mesmo muitos anos depois já com muita idade de terem participado aquele grupo dos “Gloriosos Malucos das Máquinas Lusitanas”.
E agora vamos à FAV.
A imprensa da metrópole espalhou pelo Pais a coragem e eficiência dos “rapazes” do Aeroclube e outros.
Alardeou-se diariamente que eram comandantes de aviões de linha, advogados, um juiz, médicos, um farmacêutico, um comissário da PSP, até um Padre, e um engenheiro que tinha o seu próprio Super Cub de 90CV, um luxo, um eletricista, um professor, um negociante de maquinas agrícolas, e sei lá que mais.
BA9 1965

Na verdade, era gente com muito nível, sei disso pois convivi muito com eles.
Com a imprensa a colaborar, o Rádio Clube Português fez uma subscrição nacional e comprou sete Austers 160 (modelo feito em Alverca) e ofereceu-nos os aviões, que foram enviados via marítima.
Foi um bonito gesto do Povo Português.
Metemos os aviões novos no hangar, pois não tínhamos autorização para os operar e havia receio de serem danificados.
No hangar do AB3-Negage

Explico; o avião oferecido não era um avião com uma performance de qualidade. O Aeroclube de Luanda tinha um Auster com 90CV, que era muito bom e um Auster com 160CV, igual aos oferecidos e que ninguém queria pilotar, já que era obrigado a fazer um exame, tal era a dificuldade de o pilotar. 
Informei o T.C. Medina e sugeri que se fizesse algo se não iria correr mal.
Sugeri que se criasse uma espécie de esquadrilha dentro do Aeroclube, sugeri apenas !! e a resposta foi “Vou ver!! “
E passados uns dias “viu”, viu a FAV, eventualmente claro, e assim se fez a FAV. 
O T.C. Medina falou com o Brigadeiro Fernando Pinto Rezende (Comandante da 2ª. RA da FAP) e entre eles assentaram a criação da FAV, tendo a FAP nomeando o T.C. Manuel Diogo Neto (Comandante da B.A.9) e o Cmte Carvalheira pelo AeroClube.
Fiquei muito contente !
Falo do General Diogo Neto, que em 1975 foi promovido por distinção a General e a Membro da Junta de Salvação Nacional e que foi sempre um grande Homem!
Tive o prazer de voar com T.C. Diogo Neto em F84 na OTA, em missões tanto em Portugal como no estrangeiro ao abrigo da NATO. Considerava-o como um extraordinário Piloto e Comandante, tendo os dois mantido uma mutua amizade para sempre.
Assim com o T.C. Neto do lado da FAP foi muito fácil resolver os problemas da organização da FAV (Neto) e dos Pilotos (Carvalheira).
E pronto, assim foi criada a FAV 201 - Formação Aérea Voluntária, sob o comando da FAP e a colaboração do Aeroclube com sede na BA9 e sob o comando dum Piloto da FAP.
Passados meses, e com tudo a correr bem, deu-se o primeiro acidente mortal (sem pés nem cabeça). 
 Nambuangongo, 5/4/1962
Acidente Auster  do Aero Clube
de Angola ao serviço da FAV 
No funeral o T.C. Diogo Neto deu-me um abraço e disse apenas “Você tinha razão”.
Aconteceu que eu não escolhi aquele piloto. Este foi nomeado através de uma “cunha” vinda do Governador Geral, logo o dito piloto nomeado. Coisas do nosso Portugal.
Por causa do acidente foi preciso integrar os pilotos na FAP devido à pensão de sangue, que normalmente era devida à viúva.
E foi um tema muito bem resolvido! Os pilotos FAV foram “graduados” em Tenentes e Sargentos Ajudantes (de acordo com as habilitações).
Com o aumento da Força Aérea e normalização dos serviços a FAV deixou de ter o interesse pelo qual apareceu.
1975 restos de Auster da FAV

Antes, porém, depois de destruídos todos os sete Auster’s oferecidos à FAP, esta ofereceu dois Dornier’s 27 e foi neles que a FAV acabou. 
Paz à sua alma!
Alguns pilotos da FAV e do Aeroclube estiveram em todas as “Festas do Pilotaço” vindos desde Bragança a Faro. Que grandes momentos e alegrias foram o recordar aqueles tempos!



Texto de António Carvalheira, que foi Piloto da FAP (F84), Comandante na DTA e na TAP.
Autorizado por seu filho Francisco Noriega Carvalheira




quinta-feira, 8 de maio de 2025

PRIMEIRO SALTO EM PORTUGAL DAS TROPAS PARAQUEDISTAS PORTUGUESAS

Em 18OUT1955 tem lugar o primeiro salto em Portugal dos boina verdes portugueses. Usam o fardamento trazido do "Curso de Espanha", mas o paraquedas é o T-10 americano. Na placa da BA 3, prontos para embarcar nos JU-52.


Regressados do “Curso de Espanha” em Julho de 1955, os paraquedistas portugueses, apresentados à Nação em Lisboa logo em Agosto, com grande brilho perante toda a alta hierarquia do Estado, convidados estrangeiros e o público em geral, iam agora ser postos à prova como paraquedistas.
O processo de compra dos primeiros 60 paraquedas foi célere e em 18 de Outubro de 1955, na pista da Base Aérea n.º 3, realizou-se o primeiro salto em paraquedas das Tropas Paraquedistas Portuguesas em território nacional.

Primeiros paraquedas

No decorrer do “Curso de Espanha” (Abril a 9JUL1955), em Lisboa, no Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Exército e Forças Aéreas, como então se designava o novo ramo das Forças Armadas criado em 1952, decorriam com grande azáfama os trabalhos necessários para criar as condições mínimas indispensáveis, à implantação da futura unidade, então designada “Batalhão de Paraquedistas”. De entre as muitas necessidades que nesse período ali na “retaguarda” se trabalhou, estava a aquisição de paraquedas. Na realidade o que apressou este processo que estava em curso foi a decisão do ministro da Defesa, para que a nova unidade participasse numas importantes manobras militares que iriam decorrer em Santa Margarida. O batalhão devia estar pronto em Setembro de 1955, prevendo-se inicialmente a aquisição de paraquedas em Espanha.

As tropas paraquedistas eram na altura sinónimo de modernidade nas Forças Armadas, uma década depois do final da 2.ª Guerra Mundial ainda estavam na memória de todos os feitos deste tipo de forças no conflito e os principais exércitos do mundo desenvolviam estas unidades e continuavam a usá-las nas guerras da actualidade como a Coreia e a Indochina francesa.
Paraquedista português
no "Curso de Espanha"
em Alcantarilla
A informação n.º 311/55 da 1.ª Repartição do Secretariado Geral da Defesa Nacional, datada de 18 de Julho de 1955, relativa a vários assuntos sobre as Tropas Paraquedistas, cujo pessoal tinha recentemente chegado de Espanha, insere a seguinte proposta:
«…Colaboração da nossa primeira unidade de paraquedistas nas manobras de Santa Margarida. Julga-se que haveria interesse na referida colaboração, a qual poderia ter a forma de participação em um ou mais exercícios subordinados aos seguintes temas:

- ataque de uma formação de "comandos" ao Q.G da Divisão

- idem aos órgãos de serviços.

A citada colaboração teria a vantagem não só de colocar os Comandos e Unidades do Corpo de Exército em manobras em presença de condições frequentes na guerra moderna, como também serviria de pretexto para empregar e treinar o nosso pessoal paraquedista, que de outra forma perderá, naturalmente, até o seu brio próprio, desde que passe a viver somente uma actividade de quartel. O emprego do nosso pessoal paraquedista nas manobras de Sta. Margarida está dependente da disponibilidade

- de aviões

- de paraquedas...»

Continua-se depois a descrever haver informações que 5 aviões poderão já estar prontos, mas o caso dos paraquedas seria mais difícil de resolver, a sua aquisição ainda não tinha sido iniciada, mas, afirma-se na informação:
«...supõe-se que com relativa rapidez será possível adquirir um certo número de paraquedas em França ou Espanha, os quais além do mais, permitiriam dar uma certa continuidade ao treino do nosso pessoal, enquanto não se adopte uma solução definitiva...»
Dois dias depois, a 20 de Julho ministro dá despacho na informação.
«… a partir do dia 15 de Setembro p.f. estejam em condições de ser utilizados em operações de lançamento de paraquedistas:
a) Os aviões J.U. 52 que para tal efeito já do antecedente tinham sido mandados preparar;
b) Os paraquedas necessários à realização de exercícios de operações tipo "comandos", pelo que os mesmos devem ser imediatamente adquiridos em Espanha.»

Logo em 6 de Agosto de 1955 o General Costa Macedo, Chefe do Estado-Maior das Forças Aéreas informa que «…em 15 de Setembro estarão concentrados na B.A. 3 os 5 aviões JU-52 adaptados a transporte de paraquedistas. Dado o estado precário de reabastecimento em sobressalentes, deste tipo de material, só será possível contar com 50% de aviões prontos para voo, em períodos de emprego intensivo. Será, no entanto, possível, por um período curto, contar com a totalidade dos aviões, salvo o caso de ocorrer qualquer imprevisto. Quanto à técnica de lançamento por parte dos pilotos, considera-se ser possível prepará-los até à data prevista…»

Tancos, Outubro de 1955. Da direita, Martins Videira, George Haas, Albuquerque de Freitas e Edgar Cardoso (Comandante da BA 3)


No início de Setembro o Coronel PILAV Albuquerque de Freitas, colocado no Subsecretariado de Estado da Aeronáutica (SEA) e então com responsabilidades na área da “instrução especificamente aeronáutica” relativa às tropas paraquedistas, foi enviado ao 1.º Escuadron de Paracaidistas del Ejercito del Aire (Alcala de Henares, Espanha), recolher informação sobre “exercícios de lançamento de paraquedistas”. Fez um relatório passado à BA 3 para apoio da actividade aérea ligada aos lançamentos, trabalho que contou com o apoio de um oficial do US Army que estava em Portugal (Tenente George Haas, ver abaixo). Da informação trazida de Espanha e do apoio do oficial americano, nasceu a documentação inicial, imprescindível à realização de uma sessão de saltos com segurança, nomeadamente, alturas de lançamento, dimensões da zona de lançamento, marcações, voos em formação, materiais a usar, etc.

Desde Julho que a Força Aérea e o SEA estava em contacto com Military Assistance Advisory Group USA (vulgo MAAG) em Lisboa para tratar do possível fornecimento de equipamentos para as Tropas Paraquedistas, quer individuais que colectivos e paraquedas. A opção pela compra do T-10, na altura em uso no Exército dos EUA, e sendo cá uma responsabilidade da Força Aérea equipar com este tipo de material o Batalhão de Paraquedistas, daqui nasceu. Foram adquiridos 60 conjuntos através de uma das firmas interessadas em fornecer, a “Norte Importadora”, por 532.200$00. Depois de alguns contratempos nos EUA com o fabricante, os paraquedas estavam finalmente no Depósito Geral de Material da Força Aérea, em Alverca, no início de Outubro, dia 7.
O capitão paraquedista americano, George Haas, explica aos paraquedistas portugueses o modo como deveriam utilizar o T-10. À esquerda Martins Videira e Albuquerque Freitas.
 


Na mesma altura, o ministro toma conhecimento e decide a aquisição de mais paraquedas com um curioso despacho:
«…parece-me bem que se adquiram mais paraquedas. Na realidade cada paraquedista deveria ter o seu. 7-10-955. Santos Costa».

Houve algumas dificuldades uma vez que os equipamentos vinham sem documentação de suporte o que complicava o processo de recepção e, depois, a sua utilização. Os paraquedistas portugueses tinham sido formados em França e Espanha e nenhum destes países usava o T-10. Estava em Portugal ligado ao Military Assistance Advisory Group USA, um oficial paraquedista do Exército Americano, o Capitão George Haas, o qual acabou por colaborar na elaboração da documentação de apoio inicial (com o Coronel Albuquerque de Freitas) e ministrar uma explicação/formação expedita no T-10 para a realização do primeiro salto. (*)
Na placa da BA 3 prestes a embarcar nos JU-52 para um dos primeiros saltos em Portugal. 















Batalhão de Caçadores Paraquedistas

Recorda-se que nesta altura o “Batalhão de Paraquedistas” continuava aquartelado no Campo de Tiro da Serra da Carregueira (CTSC), unidade do Exército onde tinha sido concentrado antes do “Curso de Espanha” e onde tinha regressado. Em Tancos, frente à Base Aérea n.º 3, estavam a decorrer as obras de adaptação do antigo Batalhão de Pontoneiros da Engenharia Militar para receber a nova unidade das Forças Aéreas.

Apresentados à Nação em 14 de Agosto de 1955 numa grande parada militar em Lisboa, antes da qual o Capitão Armindo Martins Videira recebeu o Guião do “Batalhão de Paraquedistas” das mãos do General Craveiro Lopes, Presidente da República, a nova unidade só em Novembro e Dezembro seria legalmente criada com a designação de Batalhão de Caçadores Paraquedistas, oficialmente constituído a partir de 1 de Janeiro de 1956.

18 de Outubro de 1955

Por incrível que pareça esta data tão relevante para a História das Tropas Paraquedistas tem estado envolta em alguma confusão, esperando-se que agora o assunto fique definitivamente claro.

No livro do Coronel Bragança Moutinho, “História e Técnicas do Paraquedismo” (1970), está referido 15OUT55 como data da realização do primeiro lançamento de paraquedistas em Portugal, na Base Aérea n.º 3, após o regresso de Espanha. Depois disto a generalidade dos autores, eu incluído quando escrevi com o António Carmo a “Tropas Paraquedistas Portuguesas 1956-1993” e depois (em 2003) “Tropas Paraquedistas a História dos Boinas Verdes Portugueses” ou o Coronel Martinho Grão quando escreveu (em 1994) a “História das Tropas Paraquedistas, Batalhão de Caçadores Paraquedistas”, todos, referem o mesmo dia 15 como data desse salto. Acresce que numa entrevista concedida a Miguel Silva Machado e António Sucena do Carmo, em 1990 – mais tarde publicada na revista “Boina Verde” n.º de Setembro de 1991 – o então Brigadeiro Armindo Videira, refere-se ao dia 15, mesmo que na altura nos dissesse que estava na dúvida sobre a data, não tendo na ocasião meios para confirmar. Acabamos por publicar o dia 15 uma vez que todas as publicações anteriores o haviam referido e na altura não tínhamos acesso a outros elementos de informação, hoje disponíveis. E assim ficou…

Recentemente, Luís Proença, investigador de temas aeronáuticos que juntamente com Mário Diniz, tem desenvolvido um enorme trabalho sobre a história das diferentes Esquadras de voo da Força Aérea – sucessivamente publicando artigos na Revista Mais Alto – dedicou-se à Esquadra 502 e suas antecessoras na Base Aérea n.º 3. Conduzindo a investigação com base nas Cadernetas de Voo dos pilotos de JU-52 da altura e nas Ordens de Serviço da BA 3, concluiu que o primeiro lançamento de paraquedistas foi feito a 18OUT1955, uma terça-feira, e não a 15, um sábado. Referem Luís Proença e Mário Diniz no artigo “Esquadra 502 Elefantes” in Mais Alto n.º 461, Fevereiro 2023:
«…Nos dias 30 de Agosto, 1 e 7 de Setembro foram realizados voos de treino de lançamento e, finalmente, a 18 de Outubro de 1955 foi efectuado o primeiro salto de paraquedistas, sobre a pista de Tancos, a partir dos Ju-52/3m n.º 6305 e 6306, pilotados, respectivamente, pelo Capitão Fernando Gomes dos Santos e pelo Alferes Ismael Canavilhas…»

Ainda antes da publicação do Mais Alto, tentando da minha parte confirmar estas datas a pedido de Luís Proença, seguindo procedimento semelhante, o assunto voltou a adensar-se, antes de se clarificar de vez! Tentando obter cadernetas de salto de militares confirmadamente envolvidos nessa primeira sessão de saltos, apenas consegui uma, a do então Tenente Rafael Durão, na qual está realmente escriturado 15OUT1955!

Consultada a Ordem de Serviço da BA 3, os militares paraquedistas vindos de Lisboa, via área, e apresentados em 17OUT pelas 09H30 eram: Capitão Armindo Martins Videira, Alferes Fausto Pereira Marques, Furriel Manuel Coelho Gonçalves, 1.ºs Cabos Jacinto da Conceição Carneiro, Humberto de S. Ferreira, 2.º Cabo Diogo das Neves Silva, Soldados José Manuel Prazeres Bento, Eduardo Maria Lopes e Manuel Ferreira A. Pinhão. De acordo com a O.S. tinham a missão de «…tratar de assuntos relacionados com a recepção de equipamentos destinados ao batalhão de paraquedistas…». Regressaram em 18OUT pelas 15H00. Destes só consegui a caderneta de saltos de Manuel Pinhão, na qual não havia registo de saltos nesse dia, em Portugal, apenas em 1956 (Arripiado e Coimbra). Ou seja, além dos que vieram enquadrados de Lisboa, outros como os tenentes Durão e Soares da Cunha (como veremos), também ali estiveram e saltaram.
Nova tentativa, no Processo individual do Brigadeiro Armindo Martins Videira – in Arquivo Geral do Exército – estão guardados documentos do CTSC que também atestam a deslocação à BA 3 em 17 e regresso a 18, exactamente nos termos da O.S. da Base já referida. Igualmente na sua “Nota de Assentos”, em Outubro de 1955, apenas aparecem uns dias de licença, aliás interrompida, e a referida marcha a Tancos, nestes termos: «…Marchou para Tancos a 17 a fim de tratar de assuntos relativos com a recepção de equipamento destinado ao B. de Paraquedistas (OS 292). Presente no CTSC em 18. Foi-lhe fornecido alojamento e alimentação por conta do Estado na BA 3…».
Acresce, finalmente, que está guardada no espólio particular do Brigadeiro Videira recentemente analisado, correspondência datada de 20 de Abril e 10 de Maio de 1979, com o Tenente-Coronel António Martins Cacela – então a escrever um livro sobre a História das Tropas Paraquedistas que nunca chegou a ser publicado – na qual Videira responde a perguntas, uma das quais:

Perguntas (20ABR1979):
«Suponho que em Outubro de 1955 houve uma sessão de saltos sobre as pistas da BA 3, para experimentar os T-10 recém adquiridos. Sobre este assunto necessitava de saber:
1 – Terá sido uma sessão de saltos com pessoal ou apenas de lançamento de manequins?
2 – Caso tenha sido com pessoal, terá sido essa a 1.ª sessão das Tropas Paraquedistas em Portugal?
3 – Quem foram os elementos que saltaram? (Segundo algumas fontes, terão então saltado o meu Brigadeiro, o então Ten. Durão e outros).»

Resposta de Martins Videira (10MAI1979):

«…É verdade que em 18 de Outubro de 1955 houve uma sessão de saltos na BA 3, para experimentar os pára-quedas T.10.
1. Foi uma sessão de saltos com pessoal;
2. Foi a primeira sessão de saltos em Portugal;
3. Saltei eu, então capitão, e se a memória me não falha, o então Ten. Soares da Cunha, Ten. Durão, Sarg. Gonçalves, creio que ainda outro elemento português, e o Ten. Haas, do Exército Americano que na altura se encontrava em Portugal. Foi este Tenente que nos deu as primeiras lições – chamemos-lhe assim – sobre o T.10. Há uma fotografia do Stick que saltou, que estará no álbum do BCP ou nos arquivos da BA 3. Eu vi a fotografia, mas não a tenho. Tenho uma em que, além de mim figura o Ten. Haas e o então Cor. Freitas (que depois foi CEM da F. Aérea) e o Cor. Edgar Cardoso que na altura comandava a BA 3»

Parece assim não haver agora a mínima dúvida que foi a 18OUT1955 o primeiro salto em Portugal das Tropas Paraquedistas Portuguesas. A escrituração do dia 15 na caderneta de saltos de Durão – certamente trabalho feito por alguém no BCP algum tempo depois, recorda-se que nesta altura o batalhão ainda não existia – terá sido um lapso e talvez tenha sido daí (e/ou de outras cadernetas com o mesmo erro) que aparece no livro de Bragança Moutinho em 1970, este involuntário erro que tantos repetimos ao longo dos anos.
Composição com uma imagem que acompanhava as instruções dos T-10 fornecidos por esta firma. O avião no desenho seria um C-119, aeronaves que chegaram a ser equacionadas adquirir no decurso do processo de criação do Batalhão de Caçadores Paraquedistas, mas os valores em causa estavam muito para além da disponibilidade financeira existente. 


Concluindo

Logo após o regresso de Espanha em Julho de 1955 os paraquedistas foram apresentados à Nação – 14 de Agosto de 1955 – com grande “pompa e circunstância”, mas também desde logo houve a intensão de lhes proporcionar as condições mínimas para iniciar o treino operacional deste tipo de unidade, o que foi concretizado em 18 de Outubro de 1955, para a pista da Base Aérea n.º 3, a partir de dois JU-52.
Depois desta sessão inicial as dificuldades com meios aéreos, paraquedas, comunicações e zona de lançamento não abrandaram. Em 6 de Fevereiro de 1956 realizou-se o “primeiro lançamento em massa” – 50 paraquedistas – na Quinta dos Álamos na Golegã e em 14 de Março de 1956 o primeiro salto na Zona do Arripiado, ainda hoje em uso!
O Batalhão de Caçadores Paraquedistas participou realmente nas grandes manobras militares desse ano de 1956 através de lançamento em paraquedas. Nesta época o emprego operacional das tropas paraquedistas ainda não estava perfeitamente definido, a dupla dependência da Força Aérea e do Exército não facilitava os estudos, e hesitava-se entre as acções tipo “comando” e a de uma unidade de infantaria lançada em paraquedas, ambas actuando “atrás das linhas inimigas” e no contexto da guerra convencional que se temia na Europa.
Em breve o inico da Guerra do Ultramar iria clarificar as opções de emprego operacional das Tropas Paraquedistas. Seriam depois 14 anos de guerra anti-subversiva em África.

Miguel Silva Machado, 22ABR2025

06FEV1956. Depois do primeiro "Salto em Massa" como então se designou, na Quinta dos Álamos (Golegã). 



(*) Mais tarde, de 8 a 22 de Novembro de 1955, o capitão Martins Videira, tenente Alcínio Ribeiro, dois sargentos e quatro praças fizeram em Evreux (França) na 557.ª QMC (AS) do Exército dos EUA, um estágio sobre dobragem e manutenção de paraquedas T-10.

Bibliografia
GRÃO, Luís António Martinho, HISTÓRIA DAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, BCP (1955-61), Tancos, 1994
MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, 1956-1991, 35.º Aniversário, 1.ª Edição 1991. Edição da revista “Boina Verde”. Corpo de Tropas Pára-quedistas, Lisboa, 1991
MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS PORTUGUESAS, 1956-1993, 2.ª Edição 1992. Edição dos autores. Lisboa, 1992
MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António Sucena do, TROPAS PÁRA-QUEDISTAS, A HISTÓRIA DOS BOINAS VERDES PORTUGUESES, 1955-2003, Prefácio Edição de Livros e Revistas Lda., Lisboa, 2003

Agradecimentos:
Arquivo da Defesa Nacional
Arquivo Geral do Exército
Arquivo Histórico da Força Aérea
Arquivo Histórico Militar
Luís Proença

Por especial deferência de Miguel Silva Machado do Blog OPERACIONAL

https://infooperacional.blogspot.com/

quinta-feira, 24 de abril de 2025

ARTUR PIRES, METRELHADOR BOMBARDEIRO


Nasceu em 31 de Outubro de 1918, Artur Pires entrou como voluntário em 1937 na Escola Militar de Aeronáutica em Sintra, completando aí o curso de segundo mecânico (TMA), que concluiu em 1938. Fez também o curso de Metralhador Bombardeiro e frequentou um curso de pilotagem para "praças de pré", que não concluiu, passando em 1941 a desempenhar as funções de Metralhador Bombardeiro nos aviões Vickers Valparaiso III.
Nessa condição fez por vezes equipa com o piloto Humberto Delgado, mais tarde director do Secretariado da Aviação Civil e responsável pe
lo despacho de fundação da TAP.
Humberto Delgado, já então homem de poucos medos e grandes convicções, criou polémica quando num artigo de jornal resolveu escrever que um bom piloto militar não seria necessariamente um bom piloto comercial e vice versa. 
Estava cheio de razão, como se reconheceria 30 anos mais tarde, mas na altura os seus colegas militares não gostaram nada da ideia. Alguns deles, em serviço civil na CTA de Carlos Bleck, chegaram mesmo a arrancar as insígnias da farda em protesto contra tal "aberração".
Artur Pires em 1942 entrou para a KLM onde assegurava a manutenção dos aviões DC2 e DC3 que escalavam Lisboa.
Três anos depois, em 1945, juntou-se ao projecto CTA (Companhia de Transportes Aéreos) de Carlos Bleck que visava a criação de uma companhia aérea portuguesa com capitais privados. Artur Pires dedicou-se de alma e coração aos Dragon Rapide e Dakota DC3 da CTA.
Desiludido, fez as malas e partiu para Angola onde durante décadas vestiu a farda da DTA, hoje TAAG.
Esta e muitas outras histórias fazem parte da biografia de Carlos Bleck que um dia destes vai aparecer por aí. 
Actualmente com uns robustos 99 anos de idade e uma memória prodigiosa Artur Nunes Pires é uma lenda viva e uma figura importante da história da aviação em Portugal.




Publicado por: Comt. José Guedes AVIADOR


quinta-feira, 27 de março de 2025

A RECUPERAÇÃO DOS SOBREVIVENTES Á EMBOSCADA NA CAÇADA DO CAZOMBO


Eu fui piloto de helicóptero da Esquadra 94 da BA9, e em 9 de Junho de 1968 data da emboscada, estava destacado no AM43-Cazombo.
Desde cedo, juntamente com os T6 e o DO-27 do AB4 ali destacados, desenvolvemos a missão de SAR - Busca e Salvamento.
Um a um recuperei quase todos os elementos envolvidos no episódio, excepção para um, 
o guia indígena que correu desde o local da emboscada até ao Cazombo, e conseguiu chegar ao AM ainda durante a noite e, foi o que deu o alarme. 
Acordaram-me às 3 da manhã com o pedido de socorro, e de imediato organizei a Busca e Salvamento a iniciar ao nascer do Sol com o AL III (9262) pilotado por mim, dos 2 T6 e do DO-27 destacados no AM 43 e creio que ainda pedimos T6 de reforço ao AB4
.

A recuperação começou logo cedo pela manhã mas só conseguimos recuperar os elementos emboscados um a um e nos locais mais variados quando os conseguíamos encontrar, facto que levou a que uns fossem resgatados mais rapidamente e outros mais demoradamente (possivelmente foi o caso do Neno). O último só o  recuperei quase ao pôr do Sol por ter decidido encontrá-lo numa última tentativa, quando todos os outros meios já tinham terminado a busca.
Recuperei também e transportei para o AM43 o Furriel do Exército morto, pressuponho que pelo tiro que furou o para-brisas visível na foto. Estava
 sentado em frente ao volante embrulhado num cobertor - pois foi assim que o vi quando aterrei no local da emboscada para transportar o corpo e embrulhado no cobertor o transportei para o Cazombo.
Um dos recuperados foi o Neno e o médico disse-me logo que provavelmente teria que lhe amputar o braço, conforme aconteceu.
Quando da recuperação do Neno o médico - cirurgião - que me acompanhava no heli, Dr. Freitas de Oliveira; disse logo que era pouco provável que lhe conseguisse salvar o braço - embora gostasse de o fazer - pois já estava a gangrenar e se não lho amputasse não iria sobreviver. Faço notar que, na época, apesar de as noites serem frias a temperatura subia rapidamente após o nascer do Sol. E rapidamente gangrenou o braço do Neno.
Na última saída, já em hora próxima do por do Sol, conseguimos recuperar o último militar do AB4, destacado no AM 43. Nem os aviões nem nós no helicóptero conseguimos avistá-lo - embora o tenhamos sobrevoado várias vezes, segundo disse - porque vestia um fato "macaco" amarelado, da cor do capim. E só por nós foi finalmente avistado  - por mim, piloto e por 2 mecânicos que comigo voavam no heli - porque o avistamento ocorreu num ângulo diferente dos anteriores.
O José Ilídio e o Alexandre Barbosa, Mecânicos Especialistas da Esquadra 94 que me acompanharam nesta última saída, ajudaram-me a reconstituir o episódio, a relatar em livro.
Obs.: Os mecânicos que participaram na TEVS foram: 1º. Cabo MELEC José Ilídio e o 1º. Cabo MMA Alexandre Barbosa (este estava a ser "largado").  Estes dois Mecânicos de Voo da Esqª. 94 ajudaram-me a relatar este episódio. No Destacamento estava ainda o 1º. Cabo MMA Cruz (Cabo-Verdiano).

Apontamento sobre o assunto; 54 anos após a emboscada não é fácil tudo recordar com exatidão e pode haver lugar a lapsos (e, naturalmente, diferentes versões)

Por: 

José Carlos Pinto Strecht Ribeiro- Pil.