sábado, 5 de maio de 2012

CONVERSAS NA CIDADE Nº.1


Nota Introdutória

     Repuxando o nosso passado, aquele que se inseriu nas décadas de sessenta e setenta, já do século “ido”, … há “c´anos”!... vou tentar transportar para os   “especiais”, as famigeradas conversas da “treta” tidas em família sobre temas tão diversos que marcarem a nossa estadia por terras do outro Mundo – terras do Leste de Angola.
     Certamente que todos quererão relembrar a época dourada dos nossos “vintage” e, talvez duma forma interessante e maliciosa!... Pois, sendo assim, irei apelar para três personagens por mim criadas para darem a viva voz e “palrarem” sobre nossos briosos feitos.
     Entrarão nas “peças cantantes”, o “Marrador”- aquele que marra, e não narra, o “Vito”, aquele que canta de cor, e o “Joca”, aquele que escuta e consente. Todos eles terão licença para “serrar”, “morder”, “trincar”, com moderação – e fazem convite aos leitores da “aérea nação” para intervirem, procurando nos recônditos da memória já nutrida de fluidos de “alzeimer”, formas de criticarem, corrigirem, inventando ou, desmentindo o que bem lhes aprouverem. 
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Marrador – Da Toca da Base, saem dois “coelhos” desejosos de liberdade. Fardados ou, não, eis que deixam os bares internos, a Torre, as casernas, a cidade militar, toda a sua estrutura “fedorenta”, as “gaivota de chapa batida” no seu “vai vem” rotineiro, as “paladas” de cumprimentos, capitães, disciplina a matar, o remoer que perdura diariamente…
Querem ver as “garinas” de saias aladas na belíssima Saurimo, as “black” sanzaleiras despertas nos seus “gungungos” enfim, o desejo de pronunciarem o “Moio” … para com os valentaços “batedores”.
     O Vito e o Joca já se estatelaram junto à Porta de Armas aguardando pelo transporte que os encaminhará para os lados de “Las Vegas”.
     Vou deixá-los “cantar” por longos minutos… Será uma estadia para cansar!
VITO – Ehhh pá… ao encontrar-me aqui, à beirinha da Porta de Armas, fez-me lembrar uma situação que me afrontou há meses atrás, na altura em que cheguei a esta “guerra”.
JOCA – Conta, conta. Mas fala baixo porque está ali… malta graduada.
VITO – Depois da minha aterragem nestas bandas, andei mais de quinze dias sem “arrear”. Estava tão “empedernido” que até pensei em deixar de comer, receando que pudesse vir a rebentar. Isto, de mudanças de ares, deixa-me sempre apreensivo, mas desta vez receei pela minha vida!
JOCA - E depois? Desanuviaste?
VITO – Calma. Com este receio… acabei por resolver a situação porém, acagacei-me novamente!
       Pensei em exercitar o corpo, e para tal,  vesti-me a rigor com o fato de treino – calçãozinho branco, ténis à maneira, camisola de manga cavada, e nos bolsos – metade dum rolo de papel higiénico. Tudo branquinho a marchar pelas matas ou, savana. Já me esquecia que estava em África e tomei as árvores como se fosse o “Pinhal do Rei”…
     O “raso” da Porta de Armas bateu-me a “pala”, abriu a cancela, e deixou passar o pombinho branco
     Lá saltitei pela “cangosta”, pela picada a fora, aquela que seguia em frente da Porta de Armas. Andei, andei, corri, saltitei para ver se “desmoía” os “ingredientes” já amorfos, mas sinais?!... só de azoto!
     A meio caminho, já sem avistar o arame farpado das “borboletas voadoras”, oiço um ruído na medonha floresta que até me causou arrepios. O pinhal do rei, deixou de ser savana para passar a floresta pois, aqui não haviam melros a cantar… Barulho? Seria algum leão?!  leopardo?! crocodilo?! E para maior temor meu, ainda pensei confusamente se o mesmo teria asas!...
     Ohhh menino, fiz um rodopio, coloquei o acelerador a fundo, e só parei na “cagadeira” da rendição. Não houve tempo para chegar à minha “caserninha”.
JOCA – Tanta pressa?
VITO – Duas pressas… O medo e o “bombardeamento” resultante da ginástica forçada e dos leões…

JOCA – Ou de alguma ratazana!... Enfim, ficaste curado!...
Marrador – A conversa era da “treta” – tal qual as conversas dos “especiais”.
Prontos para tomarem a carrinha “mercedes” a caminho da cidade, retomam o seu “falório” já em andamento.
Não esqueçam que são apenas cinco quilómetros de percurso, mas havia muito para “palrar”.

VITO – Já eram horas de partir. Decerto que o condutor adormeceu.
JOCA – Nahhh…. Há oficiais no grupo!
VITO – Ei-la. Entramos. Bem, se não viesse, iríamos de “kinga”
JOCA – De “kinga”, a pé, de mota ou, numa “mini Onda 50”.
VITO – Transportes que já utilizei. A pé, pela “picada” de terra batida e que marginaliza a estrada asfaltada pelo lado direito. De “kinga”,  naquela que comprei ao João para me deslocar pela Base. De vez em quando monto nela e faço as minhas explorações etnológicas e sanzaleiras…
Na “mini 50”…. Essa é que me assustou redondamente!...
JOCA – Só sustos? Inicialmente, com os intestinos a darem-te volta, agora, a mota?
VITO – Pois, tinha pedido essa “motita” ao Girão para efectuar um “rally” à vilaça, e quando regressei no lusco-fusco, o farol “piscou-se”. Enquanto deslizava pela recta, mesmo sem lua, lá ia… Quando cheguei às curvas próximas da Base…fui a  atalhar. Embrenhei-me na floresta. Afirmo, não era mata, era a floresta virgem e na total escuridão. E os “cagaços” que senti na estrada sem nada ver? Já imaginava os “turras” em cada canto. Catana daqui para ali e a prisão de ventre ficava-me curada…
JOCA – “Cagaceiro”. Nem há “turras” nestas  paragens.
Calor, isso sim. Vês ali aquele caminho paralelo? Há uma semana atrás resolvi sair para tirar umas fotografias. Como não ia ninguém comigo, utilizei o “temporizador” assentando a máquina na terra batida. Quando levantei a máquina fotográfica, a correia que jazia no chão, estava separada. Tinha derretido!
VITO – Olha, olha… o Rádio Farol. Deve estar ali o Raimundo!...
JOCA – Ele, e as suas turistas… Estão sempre a “espraiar”, e ele a versejar. Poetas que eles são! 

VITO – Atrás do Rádio Farol, segue uma picada estreita que se embrenha pelas silveiras abaixo. Tive uma aventura para aquelas bandas!...
JOCA – Puxa pela língua. Mataste uma “surucucu”?
VITO – Fui visitar a Rosa, aquela boneca negra, meiguinha de encantar.
JOCA – Visitar? Fazes-me rir!...
VITO – Maldoso!... Fui visitá-la e levar-lhe cumprimentos do Júlio que partiu para o “puto” e que me recomendou protecção. Levei-lhe umas lembranças para o filho de ambos…Afinal, foi mais uma das sacrificadas da guerra e acabou com mais um encargo para a vida!
JOCA – Seria esta a Rosa que é referida nos versos do “farolista”?
VITO – Parece-me que sim. Por alguns versos carregados de tristeza, tudo indica ser a mesma. Ora escuta…
…,…           
Chama-se ROSA!     
E a ROSA tem de humano,
A posição vertical.
O resto…
O resto
É de animal irracional.
Não tem ódio no olhar,
Nem rancor pelos tiranos;      
Ambições também não tem,
Que a vida
Sempre lhe deu desenganos,
E ela deixou de ambicionar.
…,…     …,…
Aquela é uma rosa
Que não se encontra nos rosais!
Pétalas negras,
Pistilo de marfim.
E dois estigmas dardejantes de pureza,
Que beleza!        
Nunca vi outra assim.
…,… …,…
JOCA – Acredito na tua “bondade”. Não dormiste nessa noite, mas…
VITO – Nem nessa, nem em mais alguma pois, quando tentava seguir a “picada”, pela noite, errava o caminho e emaranhava-me no “silveirado”. A cubata ficava distante do povoado, isolada…naquela mata sadia!
JOCA – Sadia…
Marrador - Como a distância da viagem era tão curta, não deu para dar largas “cuspidelas” às nossas “cuscas”. Encontramo-nos na grande Rotunda, entrada na cidade. Na nossa margem esquerda, encontra-se o grande depósito de água, pintado a branco. Toma-se a Avenida principal que nos encaminha em direcção à Capela, voltamos à esquerda, passamos pelo bairro dos Sargentos, roçamos o Bar Quioco, Hospital, e terminamos o circuito em frente do Hotel “Pereira Rodrigues”, no cruzamento que dá para o cinema “Chikapa”, o novo, - local dos “mirones”
     Caros leitores, puxem pelos vossos “neurónios”. Relembrem as vossas peripécias para aconchegarem os textos do Vito e do Joca. O Marrador, suaviza a coisa… 

Até Atébreve
O Amigo