sábado, 1 de setembro de 2012

OUTRA DO ABECASSIS

Orlando Coelho, Rosado e Gualter , na linha da frente - foto do próprio
Pertencia eu à linha da frente, quando sou nomeado para uma missão, com o meu amigo Abecassis.
Uma evacuação de um doente, do Luremo para Malange.
Prepara-se um DO-27 A4 para descolar-mos no dia seguinte pela manhã, feito o pleno do avião, depósitos principais e auxiliares.
Ao nascer do sol lá vamos nós, sobre os meus joelhos a carta de navegação, dirigimo-nos para o rio Cuango, para o subirmos, a fim de nos facilitar a navegação.
Ao fim de algum tempo de seguirmos rio acima, avistamos uma povoação, pertencente à Diamang, composta de vivendas tendo no meio uma piscina, onde se avistam umas beldades, em biquini, coisa rara naqueles tempos, a apanhar banhos de sol.
Eis que o nosso amigo Abecassis desce o aparelho e sobrevoa a piscina fazendo apenas 180º, e torna a sobrevoar o rio Cuango, eu como observador/navegador atento, chamo a atenção de que nos dirigimos para Sul em vez de continuarmos para Norte, o Abecassis duvida, e chamo a atenção, para que ele olhe para a bússola, mesmo assim teimoso pergunta se ela não está avariada, eu reafirmo que ele só deu 180º sobre a piscina, quando deveria ter dado 360º, a custo lá o convenço e dá mais 180º ao avião e voltamos ao rumo certo.
Com tudo isto o avião ia a consumir combustível dos reservatórios auxiliares, como era da norma, entretanto acendem-se as luzes avisadoras dos referidos depósitos, indicando que estes tinham chegado à reserva.
Como mandam os procedimentos, ligo a bomba eléctrica auxiliar, e selecciono os depósitos principais.
O Abecassis vendo o meu procedimento diz: - É pá os auxiliares ainda tem gasolina, e a reserva de cada um deles ainda dá para 15 minutos, portanto podemos consumir pelo menos mais 5 minutos de combustível, e então depois seleccionam-se os principais, ao que eu repliquei, que era (como estava a fazer) assim que mandavam os procedimentos, o que me respondeu, que a viagem era longa, e havia necessidade de poupar o máximo de combustível, palavra puxa palavra, acabei por fazer o que ele queria, pois ele era o comandante da aeronave, e lá voltei a seleccionar os depósitos auxiliares, a fim de gastar mais umas pinguinhas.
Precisamente 5 minutos depois quando me preparava para seleccionar os depósitos principais, pára o motor, e a atrapalhação provocada pela falta de gasolina no carburador faz com que o nosso amigo Abecassis se agarre ao manche com as duas mãos e o avião a perder altitude, eu também manifestamente atrapalhado selecciono os depósitos principais e começo a ligar e desligar a bomba eléctrica (como se a quisesse poupar dos esforços) e alavancas da mistura e gás todas para a frente, e sorte a nossa íamos a sobrevoar a pista de Capenda Camulemba.
Com o motor a tossir, as rotações deste, ora caindo para o mínimo ora aumentando conforme entrava (ar ou gasolina) no carburador, lá conseguiu o nosso “ás” apontar a proa do avião à pista e apesar de estar muito adiantado as rodas tocaram o chão quase a ¾ daquela, tendo pela frente ao fundo um maciço de arvores, valendo-nos os bons travões que o DO-27 tinha.
Após uns minutos para nos acalmarmos e aguardar que o trabalhar do motor se estabilizasse, e depois de responder a uns elementos da defesa civil que correram a ver se necessitávamos de ajuda, o Abecassis aproou o avião ao vento e manete de gás a fundo descolamos e lá seguimos direito ao Luremo a fim de ir buscar o doente para o levarmos para Malange.
Nota: Esta historia poderá ter algumas imprecisões por ser escrita 34 anos após os acontecimentos. Pesquisei a minha caderneta de voo, e não existe registo, pois esta não foi actualizada nos últimos meses da comissão e como tal não foi possível precisar as datas.

Lisboa, 01 de Junho de 2006