quinta-feira, 17 de abril de 2014

A PANELA DE PRESSÃO


Uma recruta
Estávamos na penúltima semana da recruta, a minha secção foi punida com uma carecada geral, e um fim de semana de serviço, por ser apanhado desenfiado numa noite de instrução nocturna. Cada um foi destacado para cumprir o castigo nos diversos serviços da base que funcionavam aos fins-de-semana. A mim coube-me o serviço de faxina nas cozinhas dos refeitórios, deram-me uma faca uma palete de sacas de batatas e vários contentores de plástico semelhantes aos usados para a recolha do lixo, e eu mais três felizardos passámos todo o dia a descascar batatas para dentro dos contentores, no fim da tarde tínhamos descascado a totalidade da palete, e fomos dispensados.
No Domingo, achei que aquilo já eram batatas a mais e comecei a pensar como é que
Messes
seria possível safarmo-nos a tamanha catrefa de batatas, no dia anterior tínhamos colocado todas as batatas,
 nos contentores de plástico com água a cobrí-las para que não se estragassem. Teria que ser por aí que teríamos que fazer a falcatrua... paletes de sacas de batata não faltavam, contentores também não, água a mesma coisa, resolvi dar uma volta pelo armazém da cozinha, uma pilha de tabuleiros de plástico atraiu-me a atenção, peguei num virei-o ao contrário e enfiei-o no fundo do contentor, com os seus vinte e cinco centímetros de altura, comia para aí uns bons quilos de batatas no final só tínhamos que distribuir as sacas que sobrassem pelas restantes paletes. 
Era Domingo de manhã, não havia ninguém à vista que pudessem interferir na “tramóia”, quando acabassem por descobrir os tabuleiros no fundo dos contentores, já nós estaríamos de férias, e ninguém se ralaria com isso, pois de certeza que os soldados que descobrissem a coisa não iriam fazer queixa sem saber quem iriam tramar, podendo até sobrar para eles.
As "panelas de pressão"
Estávamos a discutir se avançávamos ou não, quando começámos a ouvir alguém a cantar desafinadamente como se estivesse no banho, olhámos uns para os outros pela surpresa de não estarmos sozinhos e fomos trazendo tabuleiros até termos contentores para os enfiar, depois sentámo-nos calmamente a descascar o resto das batatas. Passaram uns minutos e entrou o Oficial de dia com o responsável pelas cozinhas, e em fundo continuava a cantoria. Depois de passarem por nós, o Oficial de dia resolveu ir espreitar o contentor que estávamos a usar, levantou a tampa e ficámos na expectativa, depois dele fechar a tampa e de seguirem em direcção á sala que tinha as panelas de pressão, atenção que não eram panelas como temos em casa, eram uns recipientes em forma de taça, com cerca de um metro e meio de diâmetro em material inox, com tampa hidráulica que fechava hermeticamente (autoclaves). 
Todos os dias tinham de ser lavadas por dentro, como as normais, para retirar os restos de comida, de modo a não adulterar o sabor e a qualidade dos alimentos nelas cozinhados, teriam um metro e sessenta de altura do nível do chão, e quando o oficial de dia e a restante comitiva entraram na sala, depararam-se com um espectáculo impensável, um dos soldados que tinha sido incumbido de lavar as panelas resolvera tomar banho dentro duma delas usando o vapor para aquecer a água, e o detergente industrial para se ensaboar. Era ele que cantava desafinadamente no “Jacuzi” para espanto dos presentes, não restando ao Oficial de dia outra atitude que não fosse dar-lhe ordem de prisão imediata, obrigando-o a marchar nu na sua frente para a prisão.
E quem era o banhista afinal, era o famoso “Zé do burro”, o mesmo que andava com o carro de recolha do lixo pela unidade, e que dizia a voz da caserna “ser o burro mais inteligente que ele”, mas ninguém tinha melhor vida que aquele “bacano” o burro já fazia hà tantos anos o serviço, que sozinho dava a volta à Unidade, e quando não vinham despejar o lixo no carro, zurrava até que alguém aparecesse e o mandasse embora do início ao final do percurso, e o Zé esse estava sempre desenfiado nalgum lado...
No dia seguinte, pensávamos nós que não haveria recolha do lixo, mas para espanto de todos, lá vinha o burro à frente com o carro, e o Zé “careca” e “murcho”, com um PA ao lado sob prisão, atrás.

Ota Abril de 1970.

OPC ACO

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