sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

PRIMEIRA DE SETENTA - "OS SUICIDAS" !

3ª. Secção da 1ª. Esquadrilha, os (SUICIDAS)
Tentara ir para a marinha com 17 anos, mas a ausência da autorização Materna, (era orfão de Pai e amparo de Mãe) não me permitiu seguir as pisadas do meu Avô e Tio, marinheiros mortos em ataques de submarinos alemães quando abasteciam os Aliados. 
Aos 18 já adulto, e depois de ver os modelos de aviões de um MMA meu primo afastado, apresentei candidatura à Força Aérea e em 7 de Janeiro de 1970, fiz os exames médicos e como resultado fui alistado para todo o serviço Aeronáutico, como voluntário, terminando a recruta a 24 de Abril do mesmo ano.
Para os que como eu tiveram que tomar contacto com a instituição em longas filas de espera na enfermaria da BA2, em Janeiro (sem roupa) e com toda a gente aos berros connosco como se fôssemos gado, mandando-nos de médico para médico, consoante as especialidades e os exames foi um choque. Só a certeza de não querer ser atirador no Exército, me levou a não ter desistido logo ali. Conheci, nesse dia, aqueles com quem viria a passar uma longa e acidentada recruta, quer pela dureza dos instrutores, (todos paraquedistas), quer pelo suplício desses 3 meses de um Inverno rigoroso, pautado pelo frio e chuvas torrenciais. 
Por três vezes fomos (toda a secção) à máquina zero, no início, o corte "regulamentar", a meio e na véspera do dia de juramento de Bandeira, por choques de personalidade com diversas personagens. Dos quarenta que começámos dez fomos para OPC'S, tudo por culpa do 90/70, Monteiro, (Bandarra) (foto em cima - 2ª. fila, 3º. Esq/dta) desses chegámos ao AB4: Eu, o Zé Galo, (última fila, 4º. Esq/Dta) e o Gomes, (4ª. fila, 1º. Esq/Dta) ainda da mesma recruta, o Martins, o Cardoso, o Fernandes (Tim-Tim), o Costa, o Garcia e o Vilhete (Guineense).
Diz a "Voz da Caserna", que é na recruta que desabrochamos para a vida e nos tornamos homens, é lá que se aprende o vernáculo que nem imaginávamos existir, a lidar com todo o tipo de aldrabices, vigarices e todos os contos do vigário, mas também, que aprendemos a depender de nós próprios e a superarmo-nos nas nossas qualidades físicas e intelectuais. 
Depois à todo o repositório de figuras e "cromos" que só no caldo da junção de milhares de jovens oriundos do todo Português era possível. Que dizer do meu companheiro de beliche, o Luquinhas, (última fila, 4º. Esq/Dta) tinha um metro e noventa e cinco, cinturão negro de várias artes marciais, e uma vida aos vinte anos que muitos de nós nunca viveremos, tratava-me por "meu filho" e eu a ele por Luquinhas para inveja de toda a gente. Era o fornecedor para toda a recruta, de tabaco estrangeiro, whisky, revistas playboy e porno, e todo o tipo de tralhas que fossem proibidas ou não se encontrassem à venda em Portugal. Líder nato, era ele que carregava as "Mauser" e os mantimentos das patrulhas nas marchas, e marcava o ritmo para chegar-mos primeiro e sair-mos na sexta feira à hora do almoço. Era ele, o Zé Galo e o "Monas" (4ª. fila, 2º. Esq/Dta), que pegavam na enorme bola medicinal, que era posta no meio da parada, com uma Esquadrilha de cada lado, e ao apito do Capitão Lisboa, avançavam aos gritos parada fora até que a bola era introduzida na baliza passando pela Esquadrilha contrária. Num desses jogos de "brutbol" como lhe chamávamos, fiquei sem as mangas e parte das pernas do fato de macaco, pois tive a ousadia de no meu metro e sessenta e sete, me ter introduzido numa molhada de pernas e braços para receber a bola do Luquinhas e quando ia já a correr vitorioso para a baliza fui violentamente placado por uns quarenta que me caíram em cima. Ainda assim, com algumas nódoas negras, nessa sexta feira saímos mais cedo. 
Mas não eram só os grandes que eram conhecidos, o 98/70, Nunes, (1ª. fila, 3º.Esq/Dta), era a língua mais afiada da recruta, magro escanzelado, tinha um vocabulário típico dos bairros populares de Lisboa de onde era oriundo, que fazia corar as pedras da calçada, era ele que defendia a secção nos bate boca antes do recolher e na alvorada. Outro dos que se salientaram era o 90/70, Monteiro, "Bandarra", (2ª. fila, 3º. Esq/Dta), que já citei numa outra historieta, o 93/70 "Pinta-marada" (2ª. fila, 2º. Esq/Dta) que casou durante a recruta com a afilhada do maior construtor civil da "Península de Setúbal" convidando todo a secção para o casamento nos Jerónimos, e depois haviam os gangues dos Algarvios, Alentejanos, Setubalenses, e os Nortenhos, tudo boa gente. 
Cada andar de cada camarata tinha um "pronto", o do nosso tinha a mania de tocar dentro do edifício uma cornetada de alvorada para nos acordar, tanta vez foi avisado para não o fazer, que um dia de manhã alguém lhe mandou uma bota que por azar, acertou na corneta, partindo-lhe os dentes incisivos superiores e inferiores, como ninguém se acusou, ficámos os das secções junto da entrada onde ele dormia, de castigo perante as duas esquadrilhas a fazer flexões na parada. Quando alguém já não conseguia fazer mais flexões seguia para o barbeiro, até ao último, foi a minha segunda carecada na recruta.
Capitão Lisboa, o Alferes, e a nossa secção no cabeço do pardal, durante mais uma marcha 
A terceira levou-nos enquanto secção, a tomar uma decisão colectiva que nos podia ter custado a recruta e a expulsão da FAP. Perante os convidados oficiais militares e civis, no dia do juramento de Bandeira, cada secção fazia uma demonstração das várias disciplinas da recruta. A nós coube-nos fazer corrida, foi traçado um percurso que serpenteava pelas diversas secções enquanto faziam os seus exercícios. Quando passámos em frente da tribuna, o Alferes gritava "um" e nós batendo com o pé esquerdo no chão com toda a força teríamos de gritar, segundo o ensaiado, "um", mas em vez disso, quando passámos junto à tribuna, tirámos os bonés, e sempre que o Alferes gritava o número, nós respondíamos: "carecas". Levantou-se um burburinho na assistência e quando terminámos de correr o Alferes avisou-nos que nos preparássemos para o que aí vinha, tivemos direito à visita do TC Tomás, que nos avisou que agora passaria ele a estar de olho em nós dali para a frente e que nada seria como até aqui... Mas com tantos familiares civis presentes, lá escapámos a mais um castigo, também já estávamos carecas, que mais nos podia acontecer? 
Carnaval 70-Zé Almeida(Pára),Vilhete,eu
O Capitão da recruta era um Homem com AGÁ grande, no fim de semana do carnaval, desafiou quem quisesse, a levar um ultramarino passar o carnaval a casa, nem hesitei, o Vilhete era um Guineense descendente directo de um Rei Africano, tinha trazido com ele um outro Guineense, cuja família hà séculos que era a defensora do primogénito da sua raça, personalizado no Vilhete. Ninguém na terrinha percebeu o porquê de eu trazer para casa um africano, quando ainda íamos combater contra eles. Quando cheguei a casa com ele a minha avó, que nunca tinha visto um africano, benzeu-se mais de dez vezes, e após conversar-mos ela mais calma lá foi dizendo que tinha apanhado um grande susto por ele ser tão grande e preto como breu. Mas o melhor foi irmos a um baile trapalhão e toda a gente se meter com ele pensando que ele era o Ricardo Chibanga, um aprendiz de toureiro Moçambicano, que frequentava a Escola de Toureio do Patrício Cesílio, e quando tirámos as máscaras, toda a gente ficou comprometida com as partidas que lhe pregara pensando que era outra pessoa. 
Noutro fim de semana, o mesmo Capitão, pagou do bolso dele para que os mesmos africanos, viessem com ele a Lisboa ao Bairro Alto, convidou quem quisesse vir também, e foi o fim do mundo. Com mais de cinquenta carecas de farda cinzenta e capote desejosos de companhia feminina e muito álcool, a saírem do autocarro azul em pleno jardim de São Pedro de Alcântara, entupindo o trânsito, a formarem e a marcharem a cantar, direitos ao primeiro bar aberto com profissionais disponíveis, nem meia hora depois, estava o bar cercado de PA's, mas acabou tudo nos copos, e para os mais afortunados, nos quartos do 1º andar.

OTA Abril de 1970 
Soldado Aluno 96/70 

OPC ACO

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