sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CUMULONIMBUS AFRICANOS



ESTÓRIAS DE MISSÃO DE UM OFICIAL DA FORÇA AÉREA: ANGOLA – 1992

Durante o mês de setembro de 1992 ocorreram algumas tempestades tropicais, no centro de Angola, as quais eram bastante perigosas para a aviação. Recordo estar na placa e ouvir no rádio a torre de Luena informar que iria aterrar uma aeronave em emergência. Era um pequeno avião de passageiros, com um motor em cada asa e a fuselagem ao centro. O Beechcraft C-90 GT, conhecido no meio aeronáutico como o menor dos turbo-hélices da família King Air, estava em sérias dificuldades para conseguir chegar a Luena. Pouco tempo depois do reporte, o piloto conseguiu aterrar e conduziu o King Air para a placa, tendo vindo estacionar na zona normalmente utilizada pela ONU. Desloquei-me ao aparelho em questão para ver se podíamos auxiliar em alguma coisa. Ao ver a aeronave assaltou-me a imagem que Beechcraft tinha andado à bulha com um leão. Ou melhor, com um bando de leões, tal era a quantidade de arranhões profundos e amolgadelas na chaparia; antenas arrancadas à fuselagem; hélices ratadas; vidros rachados; lemes e ailerons amachucados; luzes de navegação e faróis de aterragem partidos; e até a faixa de borracha preta, que revestia o anticongelante no bordo de ataque das asas, estava feita em tiras e pendia em franjas. Mas aquilo que mais impressionava era o tremendo abalroamento no nariz pontiagudo da fuselagem. Dir-se-ia que alguém tinha dado um valente murro no nariz do Beechcraft, transformando o que era côncavo em convexo.
- “Já estava a ficar aflito” - disse o piloto-comandante ao sair do avião – “ fiquei sem a antena de GPS, não sabia onde estava, e o nível de combustível nos depósitos  estava a ficar francamente baixo. Segui um rio afluente do Zambeze voando para Noroeste na esperança que fosse o Luena. Correu bem, mas apanhei um susto. ”
O copiloto estava francamente enervado e quase não falava. Quando saiu do avião meteu os calços nas rodas e foi fumar um cigarro para longe.
- “Mas o que é que vos aconteceu para ficarem com o avião neste estado? – Perguntei curioso enquanto examinava a borracha protetora do sistema anticongelante feita em tiras.
- “A Sudeste daqui há uma parede de Cúmulo-nimbos. São incrivelmente altos, mais de 45.000 pés, não tínhamos capacidade de passar por cima. Tentámos atravessá-los na perpendicular mas, pouco depois de entrarmos nas nuvens, parecia que tínhamos batido contra uma parede de gelo. Não se via nada para fora; só relâmpagos e bolas de gelo a baterem no avião com uma grande força. Perdemos potência; ficámos sem GPS; não tínhamos informação de velocidade nem de altitude. Ainda bem que vínhamos sozinhos porque se trouxesse passageiros teria sido o pânico abordo.”
Aeroporto de Luena 
Ofereci a nossa hospitalidade e os meios de comunicação que tínhamos disponíveis para o piloto contactar a sua organização. Abasteceu com o combustível do aeródromo e, antes do final do dia, voltou a descolar rumo a Luanda. Ficou-nos a lição de que a mãe natureza continua a reinar e em África, havia CumulonimbusAfricanus!


(O texto e os desenhos são extratos de um projeto de livro, da autoria de Paulo Gonçalves – Tenente-Coronel TOCART – sobre “Estórias de missão ao serviço da ONU”)





Os editores do Blog agradecem ao Sr.Ten.Coronel Paulo Gonçalves, a cedência das suas estórias vividas em terras do Moxico. Vinte e poucos anos após, representando uma nova geração da FAP, os seus relatos fazem-nos retroceder no tempo e recordar algumas das vivências, que marcaram a nossa geração. Bem Haja.

Sem comentários:

Enviar um comentário