sexta-feira, 7 de outubro de 2016

VIAGEM ATRIBULADA

Acabada a recruta em Abril de 1970, o curso de Operador de Comunicações e depois de Cifra, a meu pedido fui colocado na BA3 no dia 26 de Março de 1971, quinze dias após o atentado ao hangar Norte, perpetrado por um comando da ARA, (Acção Revolucionária Armada) organização clandestina afecta ao PCP, executada por (Carlos Coutinho, jornalista, Ângelo de Sousa, bancário e António Eusébio, estucador) com a ajuda interna do Aluno Piloto Ângelo de Sousa.
O ambiente era de cortar à faca, e a pressão exercida pelas chefias, tornava cada jornada de trabalho num constante sobressalto.
Ainda soldado aluno, e pela mobilização do 2º. Sargento que era responsável pelo serviço, como era o único "credenciado" fazia o serviço da cifra e no final do dia sempre que podia pirava-me para casa. Como era o que morava mais perto, sempre que havia serviço muito urgente, o oficial de dia mandava-me buscar e assim o serviço estava sempre garantido. Era uma situação de excepção, incompreendida e pouco tolerada pelos oficiais de dia que achavam que eu como soldado aluno era um privilegiado, mas como "negociado" com o Comando da Base, eu garantia o serviço 365 dias por ano, mas tinha o direito de ir a casa como qualquer outro militar e a forma encontrada era essa, chegava a casa e se tinha que ir a algum lado, deixava o contacto e a viatura apanhava-me lá. 
Outra das particularidades da BA3, era ter que cifrar/decifrar, o serviço do RCP, e por vezes quando este apertava tinha que me deslocar fora de horas ao Regimento para o entregar pessoalmente, normalmente ao oficial de dia. Se o serviço era entregue antes do jantar, o transporte que me levava, trazia os binómios cinotécnicos, (tradução) os Paras com os respectivos cães que faziam a segurança dos hangares desde o atentado.
BA3 Tancos
Sempre manifestei oposição ao transporte misto de homens e cães em veículos que não estavam preparados, (geralmente jeeps Land Rover) para a coexistência pacífica entre humanos e cães treinados para os atacar, e as minhas reclamações nunca obtiveram acolhimento até à noite em que pelas piores razões elas me deram razão.
Após decifrar várias mensagens para o BCP desloquei-me ao Regimento e entreguei-as ao Oficial de Dia, quando me preparava para regressar à BA3, fui pressionado para transportar os Soldados e os cães, fiz ver ao Capitão que o jeep era demasiado pequeno para o transporte, e a resposta foi a de que: "se me sentia apertado que fosse a pé, não tinha nenhum transporte e aquele servia perfeitamente". Esperei pacientemente pelos Soldados e pelos cães e quando os vi, três bichos enormes, pensei para comigo, é desta, para quebrar o gelo ainda perguntei se os bichos já tinham jantado, e os soldados olharam uns para os outros, e um deles respondeu contrafeito, os cães só comem uma vez por dia, respondi-lhes: espero que lhes tenham dado o suficiente... Obriguei dois dos soldados a sentarem-se atrás de nós e a colocarem os cães depois, não me apetecia levar uma dentada de um bicho daqueles, arrancámos, saímos do Regimento passando pela Porta de Armas e virando à esquerda, depois no desvio para a Base á direita, fui travando o Cabo Condutor, vai devagar que se isto der merda quero saltar imediatamente daqui, a noite estava escura como breu e uma névoa vinda do rio dificultava ainda mais a visão, os faróis iluminavam praticamente dez metros do alcatrão à nossa frente, o caminho era curto e com poucas curvas, excepção feita a uma em gancho á direita no final da pista, depois do acesso aos paióis perdidos na floresta de pinheiros que circundavam as instalações militares. A meio da curva, surgiu um veículo agrícola sem luz e quase em contramão, o condutor guinou para a berma, entrou na valeta e andámos aos tombos até ele conseguir segurar o jeep, com os baldões os cães foram atirados uns contra os outros e começaram a lutar entre si, com os tratadores a tentarem separá-los, saltei do jeep antes dele se ter imobilizado, e desatei a correr estrada fora tentando abrir a maior distância possível entre mim e a bicharada enquanto ouvia os gritos dos tratadores e o latido dos cães, depois de tudo calmo, fui o único que não foi mordido, os Paras tinham rasgões nas mãos, braços e cara, sangrando abundantemente, o condutor tinha dentadas no couro cabeludo e mãos, e a cara toda ensanguentada, arrancámos e quando chegámos à Enfermaria deixei-os lá e fui directo ao gabinete do Oficial de Dia contar-lhe o que tinha sucedido, primeiro o discurso do Capitão quando lhe disse que o jeep era demasiado pequeno para o transporte, e depois o que se passara na viagem. 
Quando cheguei à cifra fui direito ao telefone liguei para o Capitão e agradeci-lhe em nome dos três que tinham sido transportados para o hospital e informei-o que agora tinha de arranjar transporte para os que os viessem substituir e de que dera conhecimento do sucedido ao meu Oficial de Dia e que iria efectuar o respectivo registo no livro de ocorrências.
Uns tempos depois, apareceu o Oficial de dia com um oficial Paraquedista para recolher o meu depoimento e do condutor, esqueci o incidente e uns meses mais tarde, tomei conhecimento por um familiar Paraquedista, que o Capitão tinha sido condenado por negligência grosseira, e obrigado a pagar os tratamentos dos militares feridos. Como consequência desse incidente, o transporte dos binómios passou a ser efectuado em veículo restrito ao transporte de outros passageiros.

BA3 OPC ACO
1970/1975

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